Se você pega no celular sem saber por que, passa horas nas redes sociais e em vídeos curtos aleatórios, sofre de fadiga mental, ansiedade, falta de foco e concentração, pode estar vivenciando os efeitos da infoxicação.
Até pouco tempo, a informação era transmitida diretamente entre pessoas ou, indiretamente, por meio de livros e cartas. Com a invenção da prensa por Johannes Gutenberg (\~1439), não era mais necessário escrever à mão tudo o que se quisesse transmitir, e a disseminação de notícias ganhou outra proporção com os boletins informativos, e o conhecimento, antes reservados somente às classe mais altas, pôde ser mais disseminados com mais cópias dos livros.
Já na primeira metade do século XVII, surgiram os jornais periódicos na Europa Ocidental, embora a troca de informações ainda fosse restrita a países como Inglaterra e França. Apesar de existirem meios de divulgação em massa, dependia-se de um suporte físico para obter e transmitir qualquer tipo de notícia.
Na metade do século XIX, Samuel Morse inventou o telégrafo, baseado no código Morse, muito usado no mundo inteiro para comunicação à distância. Com essa tecnologia, não era mais preciso que as pessoas interagissem fisicamente para transmitir informações, o que ajudou os jornais a se espalharem pelo mundo. As notícias chegavam mais rápido e novos relatos surgiam com maior frequência. Governos, regimes e impérios editoriais usavam os jornais como meio de divulgação de notícias, propaganda e, por vezes, desinformação.
No final do século XIX e ao longo do século XX, surgiram o rádio e a televisão, e o consumo de informação deixou de ser um ato altamente ativo para se tornar altamente passivo. Com o jornal, era necessária a atenção e ação do leitor para ler, entender e interpretar; com o rádio, esse processo ficou muito mais "pacífico" para quem recebia a mensagem.
A invenção do transistor e do amplificador óptico, na metade do século XX, aliada à disseminação dos computadores e ao surgimento da internet, deu início ao que chamamos de “era da informação”. A velocidade com que as informações são transmitidas, somada aos novos formatos e propósitos, tem gerado muitos desafios em nossa vida cotidiana — e é disso que trataremos.
Boa parte da população mundial vive em um estado pseudonormal de dependência de informação. Quem nunca, antes de varrer a casa, ligou um rádio, um podcast ou uma playlist para ouvir algo enquanto faz o serviço? Ou quem não leva o celular para o banho e fica em joguinhos ou assistindo a vídeos na internet? Mais do que nunca, em toda a história da humanidade, temos sobrecarregado nosso cérebro com uma quantidade gigantesca de informações. Há pessoas que, mesmo ao deitar-se, ficam no celular até pegar no sono.
Isso é uma insanidade! Nossa espécie nunca havia passado por algo assim: é totalmente novo, e as consequências de longo prazo ainda são desconhecidas, embora já conheçamos algumas de médio prazo. É como se nossa mente não tivesse tempo para trabalhar e organizar toda a informação recebida; sempre há algo novo, que traz emoções, conceitos e perspectivas diferentes, entrando sem parar, minuto após minuto, hora após hora, dia após dia.
Pense da seguinte maneira: você está tentando ler um gráfico, entender as barras e relacionar cores e volumes; mas, ao mesmo tempo, precisa ler uma tablatura de piano, tocar o instrumento no ritmo certo e com a força adequada, enquanto cita poemas e escreve um artigo científico. Todos sabemos quão difícil é executar várias tarefas simultâneas de forma desorganizada: gera cansaço, frustração e estresse. É claro que nossa mente funciona da mesma maneira — quando a sobrecarregamos com informações, sem dar a ela tempo para absorvê-las e descansar, ela se perde e colapsa.
Quase ninguém racionaliza esse tipo de situação; vivemos tão imersos nessa avalanche de informações e estímulos que parece natural — mas, na verdade, não é, e não faz bem em nenhum aspecto.
Assim como alimentos consumidos em excesso fazem mal à saúde física e mental, há informações que, em demasia, intoxicam a mente. Algumas pessoas, por exemplo, são viciadas em tragédias: adoram notícias de crimes, mortes e traições. Jornais e redes sociais são inundados com esse tipo de conteúdo porque fisgam o público pelas emoções mais profundas — curiosidade, desprezo, medo, ódio e ressentimento. Essas informações não contribuem em nada; pelo contrário, provocam as piores emoções.
Não é preciso manter-se “informado” sobre cada agressão na China ou cada roubo em outra cidade. Sabemos que essas tragédias existem, mas nosso conhecimento não traz benefício às vítimas nem a nós mesmos. Você receberá um turbilhão de indignação e raiva e informações que apenas assombram a mente e a afastam de um estado de equilíbrio.
Se estiver estudando algo, não pule etapas assistindo a vídeos de influencers sobre assuntos diversos a todo momento. Foque na matéria e no objetivo que deseja alcançar. Entenda que, para cada coisa, existe seu tempo; fora isso, silêncio e calma são as melhores atitudes. Na área de tecnologia, por exemplo, há infinidade de metodologias, conceitos e ferramentas. Se você dispersa consumindo tudo que aparece — “lança nova biblioteca JavaScript”, “nova linguagem de programação”, etc. — acaba confuso e sem foco.
A incapacidade de processar todas as informações adquiridas ao longo do dia pode gerar estresse, ansiedade e problemas de concentração — três problemas absolutamente comuns hoje em dia. Em 2022, um mapeamento da Secretaria de Educação e do Instituto Ayrton Senna mostrou que 70% dos alunos apresentaram sintomas de ansiedade e depressão[1]. Parece óbvia a correlação entre a era da informação e o aumento dos transtornos mentais.
Cada vez mais, empresas de tecnologia usam artifícios para prender o usuário: o maior deles são os vídeos curtos aleatórios. Funcionam como caça-níqueis, fornecendo pequenas doses imprevisíveis de dopamina: o usuário fica curioso — “o que vem agora?”, “qual emoção o próximo conteúdo trará?” — e retorna sempre.
O cérebro tem áreas que reagem ao prazer, como sexo, drogas e dinheiro, esperando que essas sensações se repitam. Essa busca por novidades e prazer é chamada de sistema de recompensa do cérebro, o mesmo envolvido na dependência de substâncias como o álcool. Para muitas pessoas, essa novidade vem do celular, com as redes sociais oferecendo constantemente algo novo e prazeroso, como fotos, vídeos, notícias e mensagens. Nos jovens, o problema é ainda maior, pois o sistema de recompensa está muito ativo, enquanto o córtex pré-frontal só termina de se desenvolver por volta dos 23 ou 24 anos, tornando difícil para os adolescentes controlarem certos impulsos, como o uso do telefone.[2]
Quase nada do que consumimos hoje é absorvido pela memória de longo prazo nem processado adequadamente na memória de curto prazo; são apenas estímulos e doses emocionais que bagunçam a mente, os sentimentos e a noção de tempo e de realidade. Não damos tempo para cada informação ser processada; pouquíssimo se torna de fato conhecimento.
Sejamos honestos: somos nós os donos de nossa vida? Guiamos o que fazemos e sentimos? Para a maioria, a resposta é não. Consumimos o que está à nossa frente e sentimos sem refletir. A tecnologia é maravilhosa, mas cabe a você escolher o que deseja absorver.
Fuja do excesso de informação e busque qualidade em vez de quantidade. Quem já foi afetado pela infoxicação terá mais dificuldade de concentração e autocontrole, pois vícios são como correntes em uma cela aberta.
Como disse Aristóteles: "As virtudes, portanto, não são instiladas em nós pela natureza, mas a natureza nos dá a capacidade de recebê-las, e essa capacidade é aperfeiçoada pelo hábito."
Comece a se autocontrolar aos poucos: perceba quando pega o celular sem motivo ou fica minutos em vídeos ou joguinhos sem sentido, até que fique claro para você que está sendo “hipnotizado” pelos sentidos. Troque o hábito de assistir a vídeos curtos por ler e entender um artigo, por exemplo. Substitua o uso das redes sociais por assistir a uma aula longa e bem explicada na internet, ler livros ou ouvir audiolivros. Dê a si mesmo momentos de pausa ao longo do dia, sem consumir nada e sem receber estímulos; evite o excesso e desenvolva a paciência. Assim, naturalmente, reduzirão a ansiedade, a fadiga mental e outras doenças relacionadas.
Veja também: Como estudar e aprender